segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Ninguém.
Sandália de couro, calça apertada e cabelo solto. Esquentou e seus ombros tensos agradecem. Que cara bonita é essa ? Já logo na escada, de manhã cedo. Ah, devo ter dormido bem. Bom dia, bom dia. Olha, você está muito bonita hoje. Um fala, outro concorda. E pelos corredores, sorrisos dão continuidade aos elogios. O que é ? Que segredo ela guarda ? Que novidade é essa ? Na cozinha perguntam: novo amor? No estacionamento perguntam: voltou com alguém? No restaurante, na hora do almoço: é alguem novo ?Cruza com um namorado antigo "nossa, você tá muito... é o que ? Conta, vai, eu aguento ouvir". Contar o que? No espelho, enquanto escova os dentes, fecha os olhos e sabe pra si o segredo: ninguém. Não gostar de ninguém. Nada, nem um restinho de nada. Nem de tudo que acabou e nem de nada que possa começar. Nada, pouco importa qualquer outra vida do mundo. Não é nem pouco, é nada mesmo. Um dia inteiro para achar gostosas coisas bobas como um pacote de salgadinho, um tênis pink ou a hora do banho quente com músicas recém baixadas e o tapetinho vermelho. Um dia inteiro sem escravidão. O celular, o e-mail, o telefone de casa, o ar, o interfone, a rua. São o que são e não carrascos que nada dizem e nada trazem. Um coração bem calmo, se preocupando em mandar sangue para as horas felizes de malhação, estudo, yoga, massagem, dormir, bobeiras, risadas, comer, rir, cabelo, filme, shopping, comprar, ler, e principalmente amigos. É isso, uma agenda enorme que a ocupa de ser ela e não sobra uma linha de dia pra lamentar existências alheias. Linda, ela segue. Linda e feliz como nunca. O segredo do espelho, escovando os dentes, sozinha, aperta os olhos, segura a alma um pouco sem respirar. Segura a pasta pensando que é um pouco de alma consistente na boca. Não cospe, suporte. Ela pode finalmente suportar seu peso e não dividir isso nem com o ventinho que entra pela janela. Nem com o ralo que a espera boquiaberto. A sensação é a da manhã seguinte que o papai Noel deixava os presentes: não é mentira, é só um jeito de contar a verdade com algum encantamento.
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