sábado, 27 de novembro de 2010

Teatro

Ela fingiu a vida inteira mas nunca deixou de procurar a verdade. Sempre um pouco de angústia na boca do peito. Sempre um motorzinho acelerado enjoado lá pro meio de algo que fica dentro. O olho arde. A língua trava de vontade de mudar todo o discurso pronto e dizer apenas a verdade. Mas qual era a verdade ? Então ela seguia fingindo. A vida inteira, estudou um monte de coisa que se embaralhavam em sua mente, mas fingia acreditar que aquilo a levaria para algum lugar. Um lugar novo, qualquer com novos amigos e novos amores, talvez. Talvez essa fosse a verdade que purificaria tanta coisa sem sentido. Mas também não era isso porque, com esses amigos e amores, ela seguia fingindo. De fingir estudar passou em tudo que fingiu se importar. De fingir curtir as festas e os amigos e aquilo tudo, ela vivia em álbuns felizes e acabava feliz. De fingir amar, acabou chorando e doendo e escrevendo tantas coisas bonitas. Ela seguia fingindo o tempo todo, ás vezes, com medo de morrer soterrada por tanto teatro, ela segurava firme no fundo dos olhos de alguém e dizia: a verdade é que, a verdade é que. E a pessoa, caso fosse assim como ela, uma pessoa especial ( porque quem procura a verdade sempre é), só dizia: eu sei, eu sei. E era isso, um momento especial de verdade, sem a bola de pêlo presa na goela. Sem a tosse de angústia, tentando soltar algo pro ar entrar. Mas que algo ? Mas que tosse ? Então ela ia ao psicólogo e dizia não entender todas essas coisas como nuvens e casamentos e rodas fedorentas de caminhões e abajures e cartões de fidelidade e apostilas e tudo isso que acaba acontecendo porque acontece com todo mundo. Mas pra quem, porque ? Qual é a verdade ? Todos caminhando, todos com horários, todos de volta, cansados, o cérebro já bem gasto, agora podemos dormir, mas pra que ? Para amanhã viver, mais e mais. E ela ia, como na hora do rush do metrô, empurrada pela multidão sem verdade pra dentro de algo que leva pra algo. Pra onde ? Eles precisam pagar as contas, eles precisam pagar o plano de saúde, diria sua mãe. Tá, e daí? Ter um problema sério nos ocupa de não ter o problema real. O problema real é que não dá pra calar a cabeça procurando a verdade. Mas que verdade ? Quem inventou as nuvens ? Onde esta a saída daqui ? Qual o caminho mais rápido para a minha cama, o silêncio, o escuro. Ela abraça as suas pernas, como uma criança, e se diz baixinho: não dá pra saber a verdade, não dá pra parar a cabeça, nada parece realmente o que é, hoje eu não disse o que realmente queria, aquelas pessoas não sentem aquilo que demonstram, eu pouco me importo com 70% dos preenchimentos do meu dia, mas é preciso chegar até amanhã. É preciso chegar, ela se formou, trabalhou, namorou, sofreu, viajou, casou, teve filhos, escolheu vestidos, pisos, flores, travesseiros, o nome do neto. Sem saber a verdade, ela escolheu viver. No último segundo, só o que sabemos é que em sua última sugestão do que seria a verdade, ela sorriu como sorrimos para um bebê quando ele se levanta bem compenetrado depois de desabar.

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